Brasília, domingo, 20 de outubro de 2002

 

Quem faz a inovação


Nossas universidades formam hoje seis mil doutores por ano e muitos deles estariam aptos a produzir conhecimento na fronteira da inovação se as empresas os contratassem


Carlos Henrique de Brito Cruz

Antes de resultar no projeto da Lei de Inovação, enviado há várias semanas ao Congresso, as intensas discussões sobre inovação tecnológica que, desde meados da década de 90 vêm se desenvolvendo no Brasil, tiveram o mérito de redefinir os papéis dos atores envolvidos no processo. O debate deixou claro que, tal como já acontece nos países centrais, a universidade deve ser o espaço privilegiado da ciência e da educação, enquanto o lugar do desenvolvimento de tecnologia é por excelência a empresa. E que, para que esse conceito seja posto em prática e funcione, é necessária a entrada em cena de um terceiro ator — o governo.

  No plano da empresa, compreendeu-se que, num cenário de forte competição internacional balizado pela mudança acelerada dos modos de produção, em que o valor tecnológico de cada produto determina a sua sorte, a inovação como parte da estratégia empresarial passou a ser fator de sobrevivência. Conceito que, na verdade, não é novo: a posição central da empresa na geração de inovação tem sido demonstrada por vários autores desde Adam Smith, passando por levantamentos realizados pela National Science Foundation e mais recentemente pela Confederação Nacional das Indústrias (CNI) no Brasil.

  De fato, o dispêndio empresarial com pesquisa e desenvolvimento nos países desenvolvidos tem crescido ano a ano. Nos Estados Unidos, o crescimento anual tem sido de 4,3%, enquanto no Canadá a expansão é de 7% desde 1981. Na Finlândia, país classificado em primeiro lugar no Índice de Avanço Tecnológico da ONU em 2001, o crescimento tem sido de 11% ao ano.

  O elemento criador de inovação na empresa não é outro senão o cientista ou o engenheiro formado nas universidades. Não por acaso, nos países tecnologicamente mais competitivos, a maioria dos pesquisadores trabalha nas empresas e não nas universidades. As empresas norte-americanas empregam cerca de 760 mil, 80% do total de cientistas e engenheiros existentes no país. A Coréia, país cuja população equivale a um terço da brasileira, tem 70 mil cientistas empregados na indústria. As empresas brasileiras empregam pouco mais de um décimo desse número, o que explica por que aquele país depositou 3.473 patentes em escritórios americanos no ano passado, contra 113 patentes brasileiras.

  Levando-se em conta que os dois países são relativamente parelhos na quantidade de cientistas e na qualidade de suas pesquisas — o Brasil conta com aproximadamente 90 mil cientistas, número considerável embora ainda insuficiente —, parece claro que o problema brasileiro é causado sobretudo pelo baixo investimento das empresas em P&D. Nossas universidades formam hoje seis mil doutores por ano e muitos deles estariam aptos a produzir conhecimento na fronteira da inovação se as empresas os contratassem. Problemas de cultura e de dificuldades estruturais da economia — cujo encaminhamento de solução é prerrogativa do Estado — têm impedido que isso aconteça na intensidade necessária.

  Daí a necessidade do apoio estatal às atividades de P&D nas empresas. Isso, mais do que uma prática corrente nas nações avançadas, é parte importante de sua política de desenvolvimento. Na média dos países da OECD, 10% do dispêndio empresarial em P&D é financiado com recursos governamentais mediante vários mecanismos de subsídio que incluem renúncia fiscal, apoio à infra-estrutura de pesquisa, política de encomendas tecnológicas e de compras preferenciais. Esse investimento, além de reduzir o risco inerente à atividade de P&D, mostra-se um subsídio virtuoso pelo fato de que a cada dólar investido pelo Estado correspondem, em geral, outros 9 dólares da empresa.

  A Lei de Inovação busca materializar no Brasil essa realidade já consolidada nos países que hoje dominam não apenas o cenário tecnológico mas também o comércio exterior. Paralelamente, o Ministério de Ciência e Tecnologia projeta uma expansão do investimento em pesquisa do 1,3% atual para 2,5% do PIB até 2012. O objetivo é elevar o patamar científico e tecnológico do país, ampliar as atividades de P&D nas empresas e, por conseqüência, aumentar o poder de fogo de sua base industrial. Sua aprovação e colocação em vigor, que se espera para breve, será um dos compromissos mais sérios do próximo governo. Digno de ser cobrado com igual seriedade.

·  Carlos Henrique de Brito Cruz, físico, é reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)