Três valores a defender

Carlos Henrique De Brito Cruz

e José Tadeu Jorge

(Publicado no Correio Popular em 19 de Feveriro de 2002)

 

            No programa de gestão que estamos apresentando à comunidade da Unicamp, construído com a participação de centenas de professores, funcionários e alunos, nossa linha de ação está sintetizada em três valores básicos cuja defesa intransigente deve ser feita não apenas em nome da universidade mas sobretudo da sociedade que a mantém. São eles o valor acadêmico, o valor do ensino público, gratuito e de boa qualidade, e o valor da institucionalidade.

            Esses valores são complementares entre si e não sobrevivem separadamente. De fato, a defesa da universidade pública exige a preservação do princípio da institucionalidade interna e o respeito às instâncias institucionais estabelecidas, o que não se faz sem ter-se em conta a primazia do valor acadêmico, que é a própria essência da universidade. Podem-se alterar os fatores deste enunciado que o resultado será o mesmo.

            Em nosso programa, pois, propomos como ponto fundamental a ascendência dos critérios de natureza acadêmica nas decisões da vida universitária, levando-se em conta, sempre, a pluralidade que caracteriza a universidade como instituição. Nas unidades de ensino e pesquisa (os institutos e faculdades) este processo já está bastante avançado, e é essencial que a administração da universidade adote a mesma posição como ponto central de sua atuação. Valores acadêmicos significam respeito à diversidade e elevação dos objetivos mais altos da instituição acima da burocracia e de alinhamentos ideológicos. Significam também compromisso com a instituição e com seu papel de universidade pública e exemplar. E significam ainda, mais do que a ruptura com falsas dicotomias como ensino versus pesquisa, graduação versus pós-graduação e pesquisa versus extensão, sua transformação em conjunções que se complementam e se alimentam mutuamente.  

            Para que isto aconteça a institucionalidade é essencial, pois permite que cada um dos atores interessados no desenvolvimento da universidade saiba que suas idéias e propostas, convergentes ou não com a tendência dominante, tenham a oportunidade de ser discutidas e debatidas nos órgãos institucionais através de procedimentos conhecidos de todos.

            O respeito à institucionalidade é importante também porque legitima as decisões, por mais que o debate que as preceda seja acalorado e divergente. Durante mais de uma década, entre os anos 80 e 90, a Unicamp discutiu intensamente seu futuro e assim foi construída a moldura institucional que mantém a universidade coesa e segura de si. Basta lembrar que, antes disso, a Unicamp sobreviveu 20 anos com leis emprestadas à sua irmã mais velha, a Universidade de São Paulo, por cujas brechas regimentais — como uma roupa larga demais para um corpo jovem e em formação — penetravam as dúvidas e indefinições que resultaram em crises profundas como a de 1981. Resgatar o princípio da institucionalidade é, pois, dar clareza e visibilidade à gestão administrativa e acadêmica e assegurar o respeito às regras instituídas. 

            O respeito a esses dois princípios dará à Unicamp congruência e excepcional força para continuar defendendo o terceiro e primordial valor, que é o da preservação do ensino superior público, gratuito e excelente. Em todos os países desenvolvidos o ensino superior público tem papel fundamental, seja por seu impacto no desenvolvimento econômico, seja no desenvolvimento cultural da sociedade e, mais do que isso, por seu papel no desenvolvimento do ser humano.

Basta ver que até mesmo nos Estados Unidos, país campeão da iniciativa privada, 78% dos 14 milhões de matrículas em cursos superiores se concentram nas instituições públicas. Na Inglaterra, na Itália e na Alemanha, essa concentração atinge 100%, enquanto que na França não é menos de 95%. Bastariam esses números para desarmar o discurso privativista mais empedernido.

A realidade nacional oferece um argumento a mais: nossas universidades públicas são o patrimônio institucional que, apesar de sua juventude, maior nível de eficiência obteve ao longo do século. Não se deve atribuir pois a nenhum milagre o peso específico que o país ganhou (apesar de suas condições sociais não resolvidas) a ponto de se estabelecer como a nona economia do mundo. Esse salto se deve sobretudo à formação nas universidades de novos quadros profissionais e técnicos, em número ainda insuficiente, é verdade, mas efetivo.

À Unicamp cabe demonstrar sempre que ensino público pode ser excelente e que serviço público é coisa séria. Para isso precisamos ter uma reitoria guiada por valores acadêmicos e institucionais, pelo respeito constante à inteligência e que trabalhe dentro da ética acadêmica. Só assim poderemos estabelecer um exemplo de serviço público eficiente e de qualidade incontestável, numa instituição cujo nome — a Unicamp — seja o diferencial positivo no diploma de nossos estudantes.

 

Carlos Henrique de Brito Cruz, candidato a reitor, é presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e diretor do Instituto de Física da Unicamp. José Tadeu Jorge, candidato a vice-reitor, é diretor da Faculdade de Engenharia Agrícola da Unicamp.