Campinas e a sucessão na Unicamp

Carlos Henrique de Brito Cruz

José Tadeu Jorge

(Publicado no Correio Popular em 31 de Janeiro de 2002)

 

Aproxima-se mais um processo sucessório na Unicamp, o sétimo desde que Zeferino Vaz, seu fundador, deixou o comando da universidade em 1978. O momento é importante, pois ao pôr novos atores no cenário da gestão acadêmica abre novas perspectivas, amplia-as com outros pontos de vista e coloca-os na obrigação de encarar de frente problemas e oportunidades. Para uma universidade que tem a característica da criatividade permanente, é o momento de plantar novas idéias, de consolidar umas e rever outras, em suma, de insuflar ar novo na vida universitária.

Não se trata de uma renovação qualquer. Um dos motivos de orgulho dos campineiros é que esta universidade pública, que apenas acaba de completar 35 anos,  rapidamente tornou-se uma instituição reconhecida em todos os quadrantes do país e nos centros acadêmicos internacionais. Pode-se mesmo dizer que é a universidade brasileira com maior visibilidade no exterior, mas que nem por isso esqueceu nem separou-se de suas raízes — seus vínculos regionais são fortíssimos e tendem a consolidar-se cada vez mais.

Esses vínculos são anteriores a Zeferino Vaz. Remontam aos anos 50, quando a sociedade civil de Campinas mobilizou-se para exigir do governo do Estado uma faculdade de medicina para a cidade que já contava, na época, com 15 hospitais. Organizou-se de tal forma, a sociedade campineira, e com tamanha eficiência, que embora a luta durasse toda uma árdua década, chegou o momento em que o governo não resistiu e atendeu a seu justo reclamo. E o terreno para seu desenvolvimento se mostrou tão fértil que, graças ao visionarismo de Zeferino Vaz, que entrou em cena em 1965, o sonho da escola de medicina se transformou no projeto de uma grande universidade que ele planejou, construiu e fez crescer.

A Unicamp é um exemplo de universidade cuja vocação nacional e internacional não exclui sua regionalidade – até a reforça. A excelência que ela agrega ao adotar referenciais internacionais de qualidade é colocada a serviço da sociedade. O beneficiário é, em primeira instância, a comunidade mais próxima. Bons exemplos disso são o Hospital das Clínicas, o Caism, o Hemocentro, o Gastrocentro, o Centro de Reabilitação Gabriel Porto, o Hospital de Sumaré e outras unidades de saúde mantidas ou administradas pela Unicamp.

Mais que isso, a Unicamp tem desempenhado um papel fundamental na redefinição do perfil industrial da cidade, atraindo importantes empresas de base tecnológica. Para isto é determinante a qualidade dos estudantes formados na universidade. Outras empresas nasceram dos nichos tecnológicos da universidade, fruto do espírito empreendedor de ex-alunos, professores, e técnicos. Assim, além do conhecimento, a universidade  gera também empregos e riqueza. Basta dizer que somente do Instituto de Física, uma das 20 unidades de ensino e pesquisa da Unicamp, emergiram 12 empresas que representam hoje um faturamento próximo de R$ 300 milhões anuais.

Toda essa vitalidade e capacidade de interação com a sociedade regional, longe de significar provincianização, é uma prova da harmoniosa conjugação do internacionalismo da Unicamp com a vocação cosmopolita de Campinas. A Cientec 2001, grande mostra de ciência e tecnologia que a Unicamp e outras dez instituições de pesquisa realizaram em agosto passado, buscou não apenas sintetizar essa produção em curso mas também estreitar os laços da aproximação entre os pólos de ciência e a sociedade. Lasers, fibras ópticas, teatro, políticas públicas, melhoria do ensino, música, química fina, engenharia de primeira qualidade são algumas das palavras que unem a Unicamp a Campinas.

            A Unicamp sente que ainda há muito espaço para reforçar estes laços. Novas iniciativas como o projetado Teatro de Ópera de Campinas, que a Prefeitura Municipal vem idealizando, têm todo o interesse da comunidade da Unicamp. Interessará por certo à cidade o projeto de um Museu de Ciências que a Unicamp, nos próximos anos, poderá vir a implantar, assim como o planejado centro cultural da Estação Guanabara. Isto sem falar no vasto campo de interesses comuns que andam pouco explorados no momento – as políticas públicas de interesse regional, como por exemplo um projeto acadêmico consistente para melhoria das escolas públicas (o projeto “Ciência na Escola” é um exemplo paradigmático) e um envolvimento mais vigoroso da universidade na solução de questões sociais urgentes como a da segurança pública.

            A Unicamp pode ser melhor e mais do que é hoje se estabelecer uma aliança especial com a população de Campinas. O sentido público da universidade e de sua comunidade apontam para esta direção – mostrar, cada vez mais, por pensamento, palavras e ações que a universidade pública em Campinas é um elemento de desenvolvimento do ser humano e da região.

 

Carlos Henrique de Brito Cruz é presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e diretor do Instituto de Física da Unicamp. José Tadeu Jorge é diretor da Faculdade de Engenharia Agrícola da Unicamp. Ambos são, respectivamente, candidatos a reitor e vice-reitor da universidade.