A Unicamp e o ensino superior público
Carlos Henrique de Brito Cruz e José Tadeu Jorge
Artigo publicado na Folha de São Paulo em 12 de Março de 2002
O desenvolvimento econômico e social brasileiro foi todo construído a partir da
formação de quadros qualificados na universidade pública.
Essa contribuição se expressa no currículo da quase totalidade dos profissionais
bem-sucedidos nas mais distintas atividades em empresas e nos cargos mais altos
da administração pública. Em todos esses espaços, o número de graduados e pós-graduados
pelas universidades públicas excede em muito o número de graduados na rede privada.
Isso sem falar na qualidade da formação, que é incomparavelmente superior nas universidades
públicas.
É lamentável que isso seja ignorado por supostos especialistas em ensino
superior, os quais, aliados a empresários do ensino privado, irrazoavelmente insistem
em agredir a universidade pública, sendo incapazes de entender que nenhum país
se desenvolveu sem o concurso fundamental do ensino superior público.
Quando, há 35 anos, começou a construção da Unicamp, logo se viu que o país estava
diante de uma experiência nova, distinta e fadada a fixar padrões diferenciados
para o ensino superior e a pesquisa. A universidade criada por Zeferino Vaz trouxe
ao ambiente acadêmico nacional a idéia de que interagir com a sociedade era desejável
e bom para o desenvolvimento da instituição universitária. Além disso, a
Unicamp escapava à tradição brasileira de crescimento cumulativo das instituições
de ensino superior pela simples justaposição de cursos e unidades, marcando um diferencial
importante e emergindo como um projeto congruente e único.
Soube também, desde o início, dar resposta adequada à sociedade, estruturando seus
cursos a partir de um diálogo com o mercado e com a demanda de profissionais nos
setores privado e público. E, por fim, fez acompanhar o ensino de uma sólida estrutura
de produção de ciência e tecnologia, que, ao mesmo tempo em que a mantém engajada
no processo de desenvolvimento do país, propicia levar à sala de aula o conhecimento
em processo em seus laboratórios. A combinação desses fatores fez da Unicamp uma
instituição ágil e peculiar, cujos cursos de graduação estão entre os mais procurados
e cuja pós-graduação concentra 52% de seu contingente de alunos -proporção rara
até em termos internacionais- e hoje é responsável por parte substantiva das teses
produzidas no Estado. Registre-se que nos Estados Unidos há menos de dez universidades
que, anualmente, formam mais doutores do que os 702 formados pela Unicamp em
2001.
Graças à conexão entre ensino
e pesquisa, a Universidade Estadual de Campinas é também capaz de servir bem à sociedade
e de manter vínculos produtivos com as administrações públicas e com o setor de
produção de bens e serviços, não raro gerando empreendimentos a partir de seus nichos
tecnológicos e do esforço de seus ex-alunos.
Estimativa recente (e incompleta) mostra que as empresas criadas a partir de apenas
três unidades da Unicamp -o Instituto de Física, a Faculdade de Engenharia Elétrica
e a Faculdade de Engenharia de Alimentos- geram anualmente riqueza superior a
R$ 600 milhões, o que equivale ao orçamento anual da universidade.
A atividade fundamental da universidade é educar, em todos os sentidos, sendo a
educação a base de uma sociedade pluralista, democrática, em que a cidadania não
é um conceito garantido apenas formalmente na lei, mas é exercida plena e conscientemente
por seus membros. Na Unicamp, desejamos formar cidadãos que possam exercer liderança
profissional e intelectual em seus campos de atividade, que tenham responsabilidade
social e desempenhem um papel destacado na definição dos destinos do próprio país.
A universidade é o lugar especial de geração do conhecimento fundamental, aquele
que é motivado pela curiosidade que alimenta o desenvolvimento do saber. A
Unicamp tem participado de projetos de grande impacto, o que lhe dá muita visibilidade.
Mas, a percepção do valor da pesquisa fundamental sendo mais difícil, a universidade
deve defender publicamente essa atividade, esclarecendo a opinião pública sobre
sua relevância e ensinando-a a valorizar a complementaridade da ciência básica
e da aplicada.
Uma das grandes forças de uma universidade é a diversidade de saberes que ali coexistem
e se inter-relacionam. Essa diversidade deve ser não só respeitada, como também estimulada com ações
que contemplem as especificidades de cada área do conhecimento.
Pode-se dizer que, em muitos sentidos, os desafios que se apresentam para a
Unicamp neste início de século são os desafios de toda a universidade pública. Exige-se
cada vez mais dessas instituições, de forma que só se consolidarão as que se qualificarem
como vetores diretos do processo
de desenvolvimento. As mudanças de cenário e a própria realidade brasileira exigem
expansão significativa de vagas na graduação e na pós-graduação, compromisso intransigente
com a qualidade do ensino e, ao mesmo tempo, flexibilização dos currículos e
das carreiras, ampliação do investimento na pesquisa, ao lado da consolidação
de uma cultura administrativa que seja a contrapartida responsável do princípio
da autonomia de gestão financeira, prerrogativa que, por enquanto, só assiste às
universidades estaduais paulistas -Unicamp, USP e Unesp.
No programa de gestão que apresentamos para a Unicamp, propomos, como ponto
fundamental, a ascendência dos critérios de natureza acadêmica em todas as decisões
da vida universitária. Isso pressupõe o resgate da institucionalidade interna, que,
por sua vez, exige a primazia do valor acadêmico. O apreço a esses dois princípios
dará à Unicamp coerência e excepcional força para continuar defendendo o terceiro
e primordial valor, que é o da preservação do ensino superior público, gratuito
e de qualidade não menos que excelente.
Carlos Henrique de Brito Cruz, 45, presidente da Fapesp
(Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e diretor do Instituto
de Física da Unicamp, é candidato a reitor da universidade. José Tadeu Jorge, 49, diretor da Faculdade
de Engenharia Agrícola, é candidato a vice-reitor na chapa.