Quarta-feira, 13 de novembro de 2002

Conhecimento e desenvolvimento sustentável

CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ


O início do século 21 nos mostra, escancaradamente, que o conhecimento é a base do desenvolvimento. Décadas atrás, em países como o nosso, se acreditava que vantagens comparativas como terra, clima e baixos salários podiam ser instrumentos de atração de investimentos e de desenvolvimento. Não é mais assim. Hoje o mundo reconhece que, além de capital e trabalho, o insumo fundamental para a criação de riqueza é o conhecimento.

 

Ciência, tecnologia e cultura têm sido reconhecidos como elementos fundamentais para o desenvolvimento econômico e social. Especialmente depois do advento da Internet e da Teia Mundial - a World Wide Web -, a necessidade de conhecimento para fomentar o desenvolvimento foi-se tornando mais e mais óbvia, destacada nos meios de comunicação e entendida pelo público. Allan Greenspan, presidente do Fed, o banco central dos EUA, tem destacado com freqüência a contribuição dos "avanços tecnológicos que permitiram às empresas americanas operar com maior produtividade, trazendo o mais longo ciclo de prosperidade já visto pelo mundo".

 

A importância do conhecimento para o desenvolvimento não é uma novidade na história da humanidade. No final do século 15, Portugal, uma pequena nação com menos de 10 milhões de habitantes, tornou-se a mais poderosa do mundo aplicando estudo sistemático, pesquisa e o conhecimento acumulado ao problema da navegação oceânica, com o objetivo de chegar à Índia e dominar o comércio das especiarias.

 

David Landes, historiador do desenvolvimento econômico, destaca em seu A Riqueza e a Pobreza das Nações, que a invenção da invenção, isto é, a sistematização do método científico e da atividade de pesquisa a partir do século 18, foi um dos grandes ingredientes necessários para a existência de uma revolução industrial na Europa, e para o desenvolvimento que se seguiu.

Tornaram-se mais ricos os países que souberam criar um ambiente propício à criação e disseminação do conhecimento e a sua aplicação na produção. Ou, no dizer de Landes: "Instituições e cultura primeiro; a seguir o dinheiro, mas, desde o princípio e cada vez mais, o fator essencial e recompensador cabia ao conhecimento."

 

É notável que na teoria econômica sobre o desenvolvimento e conhecimento só passe a figurar como elemento explícito a partir da Nova Teoria de Crescimento estabelecida por Paul Romer, de Stanford, e seus colaboradores, a partir de 1987. Até então o conhecimento era considerado como uma variável externa à teoria econômica, embora houvesse vários autores que supusessem o efeito do conhecimento sobre a produtividade do trabalho.

 

Um destes foi Robert Solow, professor do MIT, premiado com o Nobel de Economia em 1987. Solow examinou, no final dos anos 50, os elementos clássicos do crescimento econômico - capital e trabalho - e observou que o crescimento da economia norte-americana ao longo do século 20 não podia ser explicado apenas recorrendo ao crescimento do capital e da mão-de-obra disponível. Com isso foi estabelecido que havia outras fontes de crescimento econômico. O conjunto destas outras fontes foi denominado "resíduo de Solow". Solow mostrou que, no caso dos EUA, praticamente um terço do crescimento anual da renda per capita deriva de outros fatores que não capital e trabalho. Aqui entra o conhecimento no jogo do desenvolvimento.

Romer desenvolveu o modelo básico da Nova Teoria do Crescimento considerando que o conhecimento afeta a produtividade do trabalho. Por isso, 1 milhão de trabalhadores com pouco acesso ao conhecimento produzem menos do que 1 milhão de trabalhadores com acesso ao conhecimento mais moderno.

 

Conhecimento só pode ser gerado e ser acessível quando há pessoas educadas para isso. A inclusão do conhecimento como variável de destaque para o desenvolvimento econômico traz consigo para a teoria econômica a educação e a cultura como parâmetros explicitamente determinantes do desenvolvimento de uma nação.

 

Em nosso país não é diferente e temos obtido alguns importantes resultados a confirmar o valor do conhecimento. Nos últimos quatro anos, pela primeira vez na história brasileira o principal item da pauta de exportações nacional - representando hoje mais de US$ 2 bilhões por ano - é um produto com alto valor agregado: aviões a jato. Produzidos pela Embraer, eles são o resultado de concepção e projeto de engenheiros brasileiros formados pelo ITA. É um caso exemplar de ciência e tecnologia criando desenvolvimento. E uma ilustração do fundamental papel do Estado em viabilizar essas atividades.

A Embraer começou a nascer em 1947, quando o ITA foi fundado, numa estratégia singularmente correta para trazer o desenvolvimento de uma indústria aeronáutica no Brasil. Ano após ano, gerações de engenheiros foram formados pela escola até se atingir a massa crítica necessária para o surgimento, em 1967, de uma empresa capaz de fabricar aviões. Esta é uma ilustração notável da forma mais virtuosa de interação universidade-empresa: a instituição de ensino superior que, trabalhando dentro de referenciais acadêmicos internacionais, educa as pessoas que vão criar tecnologia trabalhando para a empresa.

 

Essas realizações não acontecem por acidente. Resultam de um esforço contínuo e cumulativo de educação com padrões elevados de excelência durante décadas e décadas. Elementos fundamentais para o desenvolvimento sustentável, ciência e tecnologia são atividades especialmente sensíveis à acumulação de conhecimentos e à formação de grande quantidade de pessoas capazes de gerar e trabalhar com esses conhecimentos.

 

Carlos Henrique de Brito Cruz, físico, é reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)