A UNICAMP em primeiro lugar

Ensinar a Aprender ­ Aprender a Aprender

"O processo de educação, pelo qual intelecto, em vez de ser formado ou sacrificado a algum objetivo acidental ou particular, alguma habilidade ou profissão, ou estudo ou ciência, é disciplinado em causa própria, para a percepção de seu próprio objeto, e para sua mais alta cultura, é chamado de Educação Liberal; Ö . E determinar o padrão, de acordo com ele educar, e ajudar a trazer a ele todos os estudantes respeitadas suas várias capacidades, isto eu considero ser o assunto da Universidade"

(John Henry Newmann, 1852)

Ensino: a missão primordial da universidade

A via privilegiada para a transmissão e difusão do conhecimento gerado e armazenado nas universidades, e portanto de contato e interação com a sociedade, são os estudantes ali formados, ao contrário do que pensam muitos hoje em dia no Brasil, que pretendem transformar nossas universidades em balcões de serviços ou em laboratórios de pesquisa de empresas e governo. O efeito dos estudantes educados sobre a vida de um país é fortemente multiplicador em todos os sentidos: científico, técnico, econômico, cultural e social.

É por isso que a Unicamp deve ter como principal foco de sua ação a educação, a transferência efetiva do conhecimento aos seus estudantes. Mais do que fornecer uma educação de conteúdo formal, precisamos educar o profissional que "aprenda a aprender" com abrangência multidisciplinar, capaz de acompanhar e contribuir para a criação de conhecimento no mundo moderno. Para isto, um ambiente como o oferecido pela Unicamp, gerador de conhecimento e ativo na fronteira da ciência e da cultura, é essencial. O sucesso na educação do profissional especial que desejamos pressupõe a co-responsabilidade entre professores e alunos, traduzida num pacto de qualidade de ensino-aprendizagem que envolva os dois setores definitivamente. Ao mesmo tempo é fundamental estabelecermos mecanismos através dos quais a instituição valorize a atividade docente premiando o tempo e o esforço do professor. É preciso organizar racionalmente as atividades de ensino, e incorporar tecnologias modernas à sala de aula e ao processo de aprendizado. Todos os aspectos devem ser objeto de atenção. Desde a seleção do vestibular, até a formação específica no profissional, através de disciplinas eletivas variadas e de um conteúdo atual e exigente de estudo constante, passando pelas disciplinas básicas, pela vivência no campus, pela participação em movimentos políticos, sociais e culturais, por todas as demais atividades que educam um cidadão e um profissional.

Mais vagas na graduação

A Unicamp precisa realizar um esforço para ampliar as vagas em seus cursos de graduação. Tendo demonstrado excelente crescimento na qualificação de seus docentes, na produção científica, na pós-graduação e nas atividades de extensão cultural, tecnológica e assistencial, temos ainda uma dívida importante com o crescimento de nossos cursos de graduação. Mesmo com o esforço intenso dos últimos 12 anos, quando 16 novos cursos noturnos foram criados, e o número de vagas oferecidas no vestibular cresceu de 1.470 em 1986 para 2.245 em 1998, ainda temos uma relação aluno/docente de 5,4 alunos de graduação por professor, que é baixa mesmo em termos de universidades brasileiras.

O aumento da oferta de vagas pode ser feito sem que nossos professores tenham que dar muitas horas de aula a mais. O primeiro esforço deve ser no sentido de racionalizarmos o ensino de graduação, buscando, por exemplo, evitar redundâncias em disciplinas oferecidas, evitar um excesso de horas de aula que impeça o estudo e o trabalho em casa e, principalmente, ensinarmos bem da primeira vez, para evitar as repetências. Um dado que ilustra bem a baixa eficiência da Unicamp no ensino de graduação é o fato que 32% das classes da Unicamp tem menos do que 10 alunos, e 56% menos do que 20. Em segundo lugar, precisamos realizar investimentos na construção de boas salas de aula ­ nos últimos 8 anos apenas em 1997 iniciou-se a construção de um complexo de classes para o básico. Em terceiro lugar, deveríamos utilizar muito mais os estudantes de pós-graduação como auxiliares de ensino, como se faz nas boas universidades internacionais. Finalmente é essencial escolher as carreiras onde desejamos que ocorra este aumento de vagas, privilegiando aquelas onde haja maior demanda e nas quais, ao mesmo tempo, a expansão se demonstre possível dentro das restrições orçamentarias.

Educação completa e multidisciplinar ­ Redação, Humanidades, Artes e Ciência

Na sociedade moderna, onde a capacidade de aprender é um requisito essencial ao profissional e ao cidadão, é preciso desenvolver melhor as capacidades de leitura e redação de nossos estudantes. Mesmo a redação técnica, tão importante na vida do profissional em todas as áreas do conhecimento, não é desenvolvida formalmente nos cursos da Unicamp. Com redigir um memorando técnico, um projeto de pesquisa, um relatório de pesquisa, são atividades importantíssimas na vida profissional, para as quais a Unicamp fecha os olhos, esperando que eles aprendam sozinhos, por tentativa e erro.

Para além da leitura e redação, a Unicamp deveria se preocupar com a amplitude do horizonte de conhecimentos de seus alunos. Em todas as boas universidades internacionais esta preocupação existe, e como resultado, estas tem um núcleo curricular, suficientemente flexível, mas suficientemente amplo. As disciplinas deste currículo mínimo garantem que todos os estudantes ali formados, independentemente das carreiras escolhidas, tenham contato com os aspectos básicos da aventura da geração de conhecimento pelo ser humano, tomando contato com os avanços fundamentais das ciências, das humanidades, da literatura e das artes. O contato com outras áreas do conhecimento é muito importante, e nos dias de hoje imprescindível, já que o mundo e a realidade são muito mais multidisciplinares do que os compartimentos das carreiras dos cursos universitários. Para o exercício pleno da cidadania, para não falarmos do exercício profissional, precisamos ter habilidades quantitativas, conhecer aspectos da biologia molecular, das escolas de pensamento econômico, da conservação da energia, dos grandes clássicos da literatura universal, conceitos fundamentais da ciência política, da história, da antropologia e das artes, para citar alguns saberes específicos. Além disso (especialmente no Brasil de hoje) seria bom darmos aos jovens estudantes noções de ética e filosofia. Tudo isto existe na Unicamp, mas nossos estudantes tem pouco acesso - vivem compartimentalizados nos limites de suas carreiras e das obrigações curriculares mais específicas. Deve ser uma preocupação da instituição garantir esta abertura. Pretendo fazer isto abrindo uma discussão na universidade sobre a criação de um Núcleo Curricular, que garanta a todos os estudantes da Unicamp acesso a estes conhecimentos.

Valorização da atividade docente

Ensino de boa qualidade está diretamente relacionado com a valorização da atividade docente. Isto é mais fácil de falar do que de fazer, como pode ser visto ao longo dos últimos 20 anos da Unicamp. A valorização da atividade docente exige a determinação de indicadores, sejam estes quantitativos ou qualitativos, que descrevam da maneira mais aproximada possível o desempenho do docente em aula. Não temos sido capazes de construir um conjunto de bons indicadores, e a isto atribuo boa parte do insucesso das tentativas de valorização da atividade docente no passado. Alguns indicadores parciais tem sido incorporados, como na recente revisão do formulário dos Relatórios Trienais, originada na Comissão Central de Graduação. Nesta reformulação, destacou-se no formulário o conjunto das atividades docentes, incluindo-se espaços para a documentação relativa à produção de Notas de Aula, Capítulos de Livros, Materiais Didáticos vários, organização de disciplinas, etc.. . Destacou-se ali também, a obrigatoriedade de uma avaliação criteriosa do desempenho docente realizada pela Comissão de Graduação, a qual deve utilizar os resultados dos questionários de avaliação preenchidos pelos alunos ao final do semestre. Creio que esta avaliação pela Comissão de Graduação é um elemento essencial do processo, devendo ser aprofundada com intensidade. Por outro lado, no tão decantado questionário de avaliação docente cometemos erros que prejudicam sensivelmente a qualidade dos resultados. Um deles é a demora entre o preenchimento do questionário e seu processamento e apresentação dos resultados ao docente.

Internet para todos

O uso de novos métodos de ensino precisa ser incentivado. A Unicamp já é suficientemente desenvolvida em termos de rede de computadores, para justificar a existência de um serviço de apoio ao docente para a incorporação de técnicas eletrônicas de ensino a suas disciplinas. Por outro lado, é inconcebível (mas infelizmente acontece) que em 1998 TODOS os alunos da Unicamp não tenham uma conta com acesso a correio-eletrônico e à navegação pelo World Wide Web (WWW). As oportunidades de aprendizado existentes no Web já são praticamente infinitas, e precisamos que nossos alunos tenham acesso a tudo isto, além de facilitarmos a comunicação com os professores e com os próprios colegas, através de listas de discussão, criação de sites, etc.. . Mais do que um instrumento de pesquisa, nossa rede de computadores precisa tornar-se um instrumento de ensino e aprendizado (além de vir a apoiar a administração ­ matrículas via Web, por exemplo).

Atividades extracurriculares e muito (muito mesmo) estudo

Devemos destacar a importância das atividades extracurriculares no processo de aprendizado e amadurecimento do estudante. Da participação em projetos de pesquisa, ao envolvimento com movimentos sociais e políticos, toda esta experiência contribui para a educação do cidadão e do profissional. Movimentos como o Universidade Solidária, militância política em partidos e no movimento estudantil, grupos de estudo, de teatro, de cinema, devem ser incentivados como parte da educação de lideranças que desejamos dar.

É preciso também criar condições mais adequadas para que os estudantes estudem mais. Aprender é uma parte tão importante do processo quanto ensinar. Aprender depende do esforço individual, do estudo concentrado e permanente. Para isto é preciso que haja infra-estrutura adequada, bibliotecas abertas à noite, equipadas com os livros necessários, acesso a recursos de informática, moradia estudantil bem conservada e com ambientes adequados para estudo. Além disso é preciso que os currículos reservem tempo para estudo em casa, já que, mesmo com as mais modernas tecnologias, estudar continua sendo a única maneira de aprender.

Manobra Radical ­ um "College" na Unicamp?

A nova LDB, recentemente aprovada, abre algumas possibilidades interessantes para o ensino superior. A Unicamp teve sempre a tradição de ser uma universidade aberta a mudanças e geradora de novidades importantes para o ensino superior brasileiro, e deveria retomar este papel. Entre as possibilidades criadas pela nova LDB está a de instituição de um regime seqüencial, análogo àquele usado nos colleges de universidades americanas. Neste regime, três ou quatro primeiros semestres de curso podem dar origem a um grau terminal, algo como um minor em ciências, ou humanidades, ou artes. Estes estudantes continuariam em seguida para o curso profissional de sua escolha. Mas com o sistema de college, poderíamos aceitar bem mais estudantes do que hoje, visto que existe uma demanda por educação pós-secundária sem objetivo profissionalizante. Vários dos aceitos completariam seus cursos nestes quatro semestres, e uma fração continuaria para o profissional. A introdução desta modalidade traria uma oportunidade de educação pós-secundária gratuita e de qualidade para milhares de pessoas que desejam se educar melhor para ter mais oportunidades no mercado de trabalho. Reconheço que é uma idéia muito diferente do que estamos acostumados, mas estar na fronteira é isto, é debater idéias novas para construir um futuro melhor. Pretendo instituir um grupo de estudo para analisar o projeto "Um College na Unicamp", a partir de uma ampla discussão em toda a universidade.

Ensino Público e Valores Acadêmicos

Por que temos que dizer sempre "Ensino Público de boa qualidade", e não apenas "Ensino Público"? A Unicamp pode ter um papel demonstrar que Ensino Público é excelente e que Serviço Público é coisa séria. Para isto precisamos ter uma reitoria guiada por valores acadêmicos, pelo respeito constante à inteligência e trabalhando dentro de uma ética acadêmica. Uma administração central que envolva e tenha o apoio da comunidade e na qual participem os docentes com ampla experiência acadêmica nacional e internacional, conhecedores de instituições de excelência em ensino superior e pesquisa. Só assim poderemos estabelecer na Unicamp um exemplo de serviço público eficiente e de excelência, uma instituição cujo nome faça o diploma de nossos estudantes ser o mais valioso. E só assim a Unicamp poderá liderar a defesa da Universidade Pública em nosso país.

Conheça o candidato

Carlos Henrique de Brito Cruz nasceu no Rio de Janeiro em 1956. Foi educado no Grupo Escolar do Aeroporto e no Colégio Dante Alighieri em São Paulo, no Instituto Tecnológico de Aeronáutica em S.J. dos Campos (Engenheiro de Eletrônica, Turma 78) e na Unicamp (Mestre em Ciências, 1980 e Doutor em Ciências, 1983). Foi fundador da primeira empresa de manufatura de lasers no Brasil, a Lasertec Lasers Industriais (1976) da qual se desligou em 1980 para dedicar-se exclusivamente à carreira acadêmica. Trabalhou na Universitá degli Studi (Roma, 1980-81) e nos AT&T Bell Laboratories (Holmdel, NJ, 1986-87). Docente na Unicamp desde 1982, orientou 9 Dissertações de Mestrado e 7 Teses de Doutorado (2 em coorientação). Publicou mais de 50 trabalhos em revistas arbitradas e seus trabalhos já foram citados mais de 1.500 vezes na literatura técnica internacional. Foi 2° Vice-Presidente da Adunicamp (1983-85) e membro de seu Conselho de Representantes. Participou como representante docente da Congregação do Instituto de Física e do Conselho Universitário da Unicamp (1987-91). Foi Diretor do Instituto de Física (1991-94) e membro do Comitê Assessor da área de Física e Astronomia do CNPq. É Pró-Reitor de Pesquisa da Unicamp, Presidente do Conselho Superior da Fapesp, Vice-Presidente da Sociedade Brasileira de Física e membro do International Advisory Committee da Optical Society of America. Membro do Conselho Estadual de Ciência e Tecnologia (CONCITE) desde 1995, tem participado ativamente de vários debates sobre C&T e Ensino Superior neste e em outros foros estaduais e federais.