Conhecimento e desenvolvimento sustentável CARLOS HENRIQUE DE BRITO
CRUZ O
início do século 21 nos mostra, escancaradamente, que o conhecimento é a base
do desenvolvimento. Décadas atrás, em países como o nosso, se acreditava que
vantagens comparativas como terra, clima e baixos salários podiam ser
instrumentos de atração de investimentos e de desenvolvimento. Não é mais
assim. Hoje o mundo reconhece que, além de capital e trabalho, o insumo
fundamental para a criação de riqueza é o conhecimento. Ciência,
tecnologia e cultura têm sido reconhecidos como elementos fundamentais para o
desenvolvimento econômico e social. Especialmente depois do advento da
Internet e da Teia Mundial - a World Wide Web -, a necessidade de
conhecimento para fomentar o desenvolvimento foi-se tornando mais e mais
óbvia, destacada nos meios de comunicação e entendida pelo público. Allan
Greenspan, presidente do Fed, o banco central dos EUA, tem destacado com
freqüência a contribuição dos "avanços tecnológicos que permitiram às
empresas americanas operar com maior produtividade, trazendo o mais longo
ciclo de prosperidade já visto pelo mundo". A
importância do conhecimento para o desenvolvimento não é uma novidade na
história da humanidade. No final do século 15, Portugal, uma pequena nação
com menos de 10 milhões de habitantes, tornou-se a mais poderosa do mundo
aplicando estudo sistemático, pesquisa e o conhecimento acumulado ao problema
da navegação oceânica, com o objetivo de chegar à Índia e dominar o comércio
das especiarias. David
Landes, historiador do desenvolvimento econômico, destaca em seu A Riqueza e
a Pobreza das Nações, que a invenção da invenção, isto é, a sistematização do
método científico e da atividade de pesquisa a partir do século 18, foi um
dos grandes ingredientes necessários para a existência de uma revolução
industrial na Europa, e para o desenvolvimento que se seguiu. Tornaram-se
mais ricos os países que souberam criar um ambiente propício à criação e
disseminação do conhecimento e a sua aplicação na produção. Ou, no dizer de
Landes: "Instituições e cultura primeiro; a seguir o dinheiro, mas,
desde o princípio e cada vez mais, o fator essencial e recompensador cabia ao
conhecimento." É notável
que na teoria econômica sobre o desenvolvimento e conhecimento só passe a
figurar como elemento explícito a partir da Nova Teoria de Crescimento
estabelecida por Paul Romer, de Stanford, e seus colaboradores, a partir de
1987. Até então o conhecimento era considerado como uma variável externa à
teoria econômica, embora houvesse vários autores que supusessem o efeito do
conhecimento sobre a produtividade do trabalho. Um destes
foi Robert Solow, professor do MIT, premiado com o Nobel de Economia em 1987.
Solow examinou, no final dos anos 50, os elementos clássicos do crescimento
econômico - capital e trabalho - e observou que o crescimento da economia
norte-americana ao longo do século 20 não podia ser explicado apenas
recorrendo ao crescimento do capital e da mão-de-obra disponível. Com isso
foi estabelecido que havia outras fontes de crescimento econômico. O conjunto
destas outras fontes foi denominado "resíduo de Solow". Solow
mostrou que, no caso dos EUA, praticamente um terço do crescimento anual da
renda per capita deriva de outros fatores que não capital e trabalho. Aqui
entra o conhecimento no jogo do desenvolvimento. Romer
desenvolveu o modelo básico da Nova Teoria do Crescimento considerando que o
conhecimento afeta a produtividade do trabalho. Por isso, 1 milhão de
trabalhadores com pouco acesso ao conhecimento produzem menos do que 1 milhão
de trabalhadores com acesso ao conhecimento mais moderno. Conhecimento
só pode ser gerado e ser acessível quando há pessoas educadas para isso. A
inclusão do conhecimento como variável de destaque para o desenvolvimento
econômico traz consigo para a teoria econômica a educação e a cultura como
parâmetros explicitamente determinantes do desenvolvimento de uma nação. Em nosso
país não é diferente e temos obtido alguns importantes resultados a confirmar
o valor do conhecimento. Nos últimos quatro anos, pela primeira vez na
história brasileira o principal item da pauta de exportações nacional -
representando hoje mais de US$ 2 bilhões por ano - é um produto com alto
valor agregado: aviões a jato. Produzidos pela Embraer, eles são o resultado
de concepção e projeto de engenheiros brasileiros formados pelo ITA. É um
caso exemplar de ciência e tecnologia criando desenvolvimento. E uma ilustração
do fundamental papel do Estado em viabilizar essas atividades. A Embraer
começou a nascer em 1947, quando o ITA foi fundado, numa estratégia
singularmente correta para trazer o desenvolvimento de uma indústria aeronáutica
no Brasil. Ano após ano, gerações de engenheiros foram formados pela escola
até se atingir a massa crítica necessária para o surgimento, em 1967, de uma
empresa capaz de fabricar aviões. Esta é uma ilustração notável da forma mais
virtuosa de interação universidade-empresa: a instituição de ensino superior
que, trabalhando dentro de referenciais acadêmicos internacionais, educa as
pessoas que vão criar tecnologia trabalhando para a empresa. Essas
realizações não acontecem por acidente. Resultam de um esforço contínuo e
cumulativo de educação com padrões elevados de excelência durante décadas e
décadas. Elementos fundamentais para o desenvolvimento sustentável, ciência e
tecnologia são atividades especialmente sensíveis à acumulação de conhecimentos
e à formação de grande quantidade de pessoas capazes de gerar e trabalhar com
esses conhecimentos. |