A UNICAMP em primeiro lugar

 

Artes e Humanidades no Ensino na Unicamp

  1. Ensino de Graduação
  2. Pensar o ensino de graduação na UNICAMP de 1998 exige a preocupação com dois aspectos fundamentais: a quantidade de estudantes que educamos, e a qualidade desta educação.

    1. Mais vagas na graduação
    2. No aspecto quantidade, a UNICAMP precisa realizar um esforço para ampliar as vagas em seus cursos de graduação. Tendo demonstrado excelente crescimento na qualificação de seus docentes, na produção científica, na pós-graduação e nas atividades de extensão cultural, tecnológica e assistencial, temos ainda uma dívida importante com o crescimento de nossos cursos de graduação. Mesmo com o esforço intenso dos últimos 12 anos, quando 16 novos cursos noturnos foram criados, e o número de vagas oferecidas no vestibular cresceu de 1.470 em 1986 para 2.245 em 1998, ainda temos uma relação aluno/docente de 5,4 alunos de graduação por professor, que é baixa mesmo em termos de universidades brasileiras (Tabela I).

      Tabela I. Número de alunos de graduação, número de docentes e relação aluno de graduação por docente para algumas universidades brasileiras.

      Instituição

      Alunos Graduação

      Docentes

      Al.Grad./Doc.

      Unicamp

      10.719

      2.002

      5,4

      UnB

      14.027

      1.245

      11,3

      UFRJ

      26.453

      3.027

      8,7

      Unesp

      19.618

      3.510

      5,6

      USP

      35.252

      4.881

      7,2

      UFMG

      16.791

      2.780

      6,0

      Todas as Federais

      349.790

      41.285

      8,5

      Todas as Estaduais

      190.271

      22.171

      8,6

      Todas as Particulares

      463.118

      31.257

      14,8

      Como poderia a UNICAMP aumentar o número de vagas oferecidas em muitos de seus cursos? Isto pode ser feito sem que nossos professores tenham que dar muitas horas de aula a mais. O primeiro esforço deve ser no sentido de racionalizarmos o ensino de graduação, buscando, por exemplo, evitar redundâncias em disciplinas oferecidas, evitar um excesso de horas de aula que impeça o estudo e o trabalho em casa e, principalmente, ensinarmos bem da primeira vez, para evitar as repetências. Um dado que ilustra bem a baixa eficiência da UNICAMP no ensino de graduação é o fato que 32% das classes da UNICAMP tem menos do que 10 alunos, e 56% menos do que 20. Em segundo lugar, precisamos realizar investimentos na construção de boas salas de aula ñ nos últimos 8 anos apenas em 1997 iniciou-se a construção de um complexo de classes para o básico. Em terceiro lugar, deveríamos utilizar muito mais os estudantes de pós-graduação como auxiliares de ensino, como se faz nas boas universidades internacionais. Finalmente é essencial escolher as carreiras onde desejamos que ocorra este aumento de vagas, privilegiando aquelas onde haja maior demanda e nas quais, ao mesmo tempo, a expansão se demonstre possível dentro das restrições orçamentarias.

    3. Educação completa e multidisciplinar
    4. A qualidade da educação que damos a nossos estudantes de graduação também pode ser substancialmente melhorada. Dizer isto não é dizer que não temos educado bem, mas é reconhecer que os tempos mudam e que precisamos sempre adequar o ensino que damos à contínua evolução das ciências, das técnicas e da cultura.

          1. Valorização da atividade docente
          2. Ensino de boa qualidade está diretamente relacionado com a valorização da atividade docente. Isto é mais fácil de falar do que de fazer, como pode ser visto ao longo dos últimos 20 anos da UNICAMP. A valorização da atividade docente exige a determinação de indicadores, sejam estes quantitativos ou qualitativos, que descrevam da maneira mais aproximada possível o desempenho do docente em aula. Não temos sido capazes de construir um conjunto de bons indicadores, e a isto atribuo boa parte do insucesso das tentativas de valorização da atividade docente no passado. Alguns indicadores parciais tem sido incorporados, como na recente revisão do formulário dos Relatórios Trienais, originada na Comissão Central de Graduação. Nesta reformulação, destacou-se no formulário o conjunto das atividades docentes, incluindo-se espaços para a documentação relativa à produção de Notas de Aula, Capítulos de Livros, Materiais Didáticos vários, organização de disciplinas, etc.. . Destacou-se ali também, a obrigatoriedade de uma avaliação criteriosa do desempenho docente realizada pela Comissão de Graduação, a qual deve utilizar os resultados dos questionários de avaliação preenchidos pelos alunos ao final do semestre. Creio que esta avaliação pela Comissão de Graduação é um elemento essencial do processo, devendo ser aprofundada com intensidade.

          3. Internet para todos
          4. O uso de novos métodos de ensino precisa ser incentivado. A UNICAMP já é suficientemente desenvolvida em termos de rede de computadores, para justificar a existência de um serviço de apoio ao docente para a incorporação de técnicas eletrônicas de ensino a suas disciplinas. Por outro lado, é inconcebível (mas infelizmente acontece) que em 1998 TODOS os alunos da UNICAMP não tenham uma conta com acesso a correio-eletrônico e à navegação pelo World Wide Web (WWW). As oportunidades de aprendizado existentes no Web já são praticamente infinitas, e precisamos que nossos alunos tenham acesso a tudo isto, além de facilitarmos a comunicação com os professores e com os próprios colegas, através de listas de discussão, criação de sites, etc.. . Mais do que um instrumento de pesquisa, nossa rede de computadores precisa tornar-se um instrumento de ensino e aprendizado (além de vir a apoiar a administração).

          5. Leitura, redação e cultura
          6. Na sociedade moderna, onde a capacidade de aprender é um requisito essencial ao profissional e ao cidadão, deveríamos desenvolver melhor as capacidades de leitura e redação de nossos estudantes. Mesmo a redação técnica, tão importante na vida do profissional em todas as áreas do conhecimento, não é desenvolvida formalmente nos cursos da UNICAMP. Com redigir um memorando técnico, um projeto de pesquisa, um relatório de pesquisa, são atividades importantíssimas na vida profissional, para as quais a UNICAMP fecha os olhos, esperando que eles aprendam sozinhos, por tentativa e erro.

            Para além da leitura e redação, a UNICAMP deveria se preocupar com a amplitude do horizonte de conhecimentos de seus alunos. Em todas as boas universidades internacionais esta preocupação existe, e como resultado, estas tem um núcleo curricular, suficientemente flexível, mas suficientemente amplo. As disciplinas deste currículo mínimo garantem que todos os estudantes ali formados, independentemente das carreiras escolhidas, tenham contato com os aspectos básicos da aventura da geração de conhecimento pelo ser humano, tomando contato com os avanços fundamentais das ciências, das humanidades da literatura e das artes. O contato com outras áreas do conhecimento é muito importante, e nos dias de hoje imprescindível, já que o mundo e a realidade são muito mais multidisciplinares do que os compartimentos das carreiras dos cursos universitários. Para o exercício pleno da cidadania, para não falarmos do exercício profissional, precisamos ter habilidades quantitativas, conhecer aspectos da biologia molecular, das escolas de pensamento econômico, da conservação da energia, dos grandes clássicos da literatura universal, conceitos fundamentais da ciência política, da história, da antropologia e das artes, para citar alguns saberes específicos. Além disso (especialmente no Brasil de hoje) seria bom darmos aos jovens estudantes noções de ética e filosofia. Tudo isto existe na UNICAMP, mas nossos estudantes tem pouco acesso - vivem compartimentalizados nos limites de suas carreiras e das obrigações curriculares mais específicas. Deve ser uma preocupação da instituição garantir esta abertura. Pretendo fazer isto abrindo uma discussão na universidade sobre a criação de um Núcleo Curricular, que garanta a todos os estudantes da UNICAMP acesso a estes conhecimentos.

          7. Atividades extracurriculares e muito (muito mesmo) estudo

    Devemos destacar a importância das atividades extracurriculares no processo de aprendizado e amadurecimento do estudante. Da participação em projetos de pesquisa, ao envolvimento com movimentos sociais e políticos, toda esta experiência contribui para a educação do cidadão e do profissional. Movimentos como o Universidade Solidária, militância política em partidos e no movimento estudantil, grupos de estudo, de teatro, de cinema, devem ser incentivados como parte da educação de lideranças que desejamos dar. Uma atividade que merece destaque e apoio é a das Empresas Juniores, que também nas áreas de Artes e Humanidades podem ter um papel em aproximar os estudantes do mundo real.

    Finalmente, mas não menos importante, é preciso criar condições mais adequadas para que os estudantes estudem mais. Aprender é uma parte tão importante do processo quanto ensinar. Aprender depende do esforço individual, do estudo concentrado e permanente. Para isto é preciso que haja infra-estrutura adequada, bibliotecas abertas à noite, equipadas com os livros necessários, acesso a recursos de informática, moradia estudantil bem conservada e com ambientes adequados para estudo. Além disso é preciso que os currículos reservem tempo para estudo em casa, já que, mesmo com as mais modernas tecnologias, estudar continua sendo a única maneira de aprender.

  3. Papel das Artes e Humanidades
  4. As Artes e as Humanidades são uma parte inseparável do patrimônio cultural de uma nação, patrimônio que inclui também as ciências e as tecnologias. Nas Artes e Humanidades a relação com o objeto de estudo é infinitamente mais complexa do que nas ciências e engenharias, pois o objeto é o homem e as suas relações com o mundo e com outros homens. Mesmo numa sociedade fortemente baseada em tecnologia como a nossa, a realização completa do ser humano enquanto sujeito de um mundo que será tanto melhor, quanto maior for sua capacidade de apreender os aspectos culturais mais humanísticos da vida. Dos profissionais formados pela UNICAMP nestas áreas, como em todas as outras áreas, devemos esperar que se tronem lideranças intelectuais ñ indivíduos bem educados para formularem novas propostas, para criarem conhecimento e manifestações culturais nos campos a que se dedicarem.

  5. Interdisciplinaridade
  6. Este assunto é se relaciona com o que apresentei na seção I.B.iii acima. Uma boa maneira de se estimular a interdisciplinaridade é através do ensino de graduação, com o objetivo de educarmos profissionais multidimensionais. As disciplinas AM foram um bom começo, mas precisamos avançar mais, através do estabelecimento de um Núcleo Curricular composto por disciplinas que garantam uma educação completa.

    1. A diversidade como fonte de conhecimento

    Uma das grandes forças de uma universidade é a diversidade de saberes que ali habitam e convivem. Esta diversidade deve ser estimulada ñ um item fundamental da vida acadêmica é o respeito às especificidades de cada área do conhecimento. Os diferentes objetos de estudo, as várias metodologias, determinam que nas diferentes ciências o progresso do saber ande em passo variado. Da mesma forma a divulgação do conhecimento acontece por vias diversas. A UNICAMP sofreu um processo de balcanização, resultado em boa parte da falta de prioridade para os valores e práticas acadêmicas. Neste processo as diferentes áreas fecharam-se em torno de si mesmas, erigindo obstáculos defensivos à interação e criando um ambiente de disputa e rivalidade bem além da competição saudável. A reversão deste processo exige ação da administração central no sentido de estimular a convivência acadêmica, através de ciclos de conferências, debates e seminários que discutam os fundamentos do conhecimento nas ciências, na tecnologia, nas artes e nas humanidades. Toda a comunidade tem a ganhar com a intensificação desta interação, especialmente os estudantes.

    O respeito à diversidade acadêmica pressupõe o reconhecimento de diferentes indicadores de excelência e diferentes culturas numa universidade. E sempre, o eixo comum que une as diversas áreas deve ser o da busca da excelência segundo seus referenciais universais.

  7. Cultura
  8. A produção artística e cultural, como resultado da pesquisa e conteúdo do ensino deverá ser apoiada através da busca de infra-estrutura adequada, integração plena do corpo docente à estrutura institucional da universidade e investimento em sua qualificação. Em particular, é importante reconhecer a especificidade da produção acadêmica da área de artes, bem como as características do profissional e da carreira especial. Cabe à reitoria tomar a iniciativa, além de apoiar as gestões do Instituto de Artes, na busca de recursos para o suporte às atividades culturais, que nem sempre encontram suporte nas agências de financiamento de pesquisa.

  9. Extensão
  10. Consistentemente com a minha visão de que as atividades da universidade devem sempre ser voltadas aos aspectos acadêmicos, já toquei neste ponto na seção I.B.iv, da discussão sobre o Ensino de Graduação. A Extensão tem razão de ser quando é parte integrante da educação de estudantes (entendida em sentido amplo, não formal) ou da aplicação e difusão de conhecimentos gerados na universidade.

  11. Universidade Pública e Gratuita; Autonomia Universitária; Verbas para a Universidade e LDO; Consulta/Eleição para Reitor
  12. Mais do que sustentar o crescimento da UNICAMP, creio que a questão fundamental é como sustentar a existência da Universidade Pública e Gratuita no Brasil. Isto só poderá ser conquistado com a defesa intransigente de valores acadêmicos e de altos níveis de qualidade para nossas universidades. A UNICAMP pode ser um exemplo disto, demonstrando que ensino público pode ser excelente e que serviço público pode ser eficiente. Nossa maior preocupação tem que ser com o contribuinte, que paga para a Universidade Pública funcionar cada vez que compra uma sandália havaiana, uma camiseta, ou qualquer outro produto. O contribuinte merece nosso respeito, muito especialmente porque sabemos que enorme número deles são pessoas pobres e que necessitam de (e tem direito a) um país mais justo, de desenvolvimento econômico e social. E o que o contribuinte espera da Universidade Pública é que ela cumpra seu papel de educar cidadãos, e da UNICAMP, de educar aqueles que serão lideranças nos vários aspectos da vida nacional. O que nos leva de novo ao começo: fazer uma universidade de excelência, que forme lideranças só é possível com o respeito consistente aos valores acadêmicos: estímulo à diversidade (não como algo apenas tolerável, mas como muito desejável num ambiente onde o objetivo é o desenvolvimento da inteligência), busca constante da excelência, civilidade no debate de divergências, trabalho sério e muito estudo.

    A Autonomia Universitária faz parte deste quadro, como um valor acadêmico. Muito mais do que a garantia de repasses orçamentários (que não são a autonomia, mas ajudam a garantir a autonomia) autonomia é o compromisso constante com a inteligência e com a busca e difusão do conhecimento. Autonomia significa entendermos que a Universidade não é um balcão de negócios para atender a empresas, governo, organizações, ou quem quer que seja. A Universidade é uma instituição baseada na busca incessante do conhecimento, e como tal deve ser vista e entendida. Conhecimento é intrínsecamente útil e importante, e cabe à empresa, ao governo, a quem desejar, desenvolver os métodos para dele se apropriar ñ um dos melhores sendo empregar os estudantes graduados nas universidades.

    1. Democracia na UNICAMP

Sendo o lugar do saber e da inteligência, é pressuposto básico que a universidade viva num ambiente de liberdade de idéias e de respeito e civilidade na disputa entre projetos discordantes. Valores acadêmicos significam o respeito, e mais do que isto, o estímulo à diversidade essencial para a produção do conhecimento. Em toda minha vida na UNICAMP, e antes como militante no movimento estudantil, sempre prezei a democracia como um valor universal. Desde minha posição como membro da Comissão Provisória da Associação dos Pós-Graduandos em 1981, como Vice-Presidente da Adunicamp (1983-85), em várias posições representativas dos docentes, e depois como Diretor do Instituto de Física e Pró-Reitor, sempre privilegiei a discussão ampla de todos os temas em debate. Mesmo que eu sempre defenda intensamente os pontos de vista que considero corretos (o que espero que os demais também façam pelos seus), o respeito à convivência democrática é essencial na vida acadêmica e na geração das idéias que vão construir o nosso futuro. Toda a minha vida na UNICAMP demonstra este compromisso. Na participação dos três setores da comunidade da UNICAMP, creio que construímos (e eu contribui diretamente a isto nos idos de 1983, como dirigente da Adunicamp) um sistema participativo, no qual a categoria docente tem um peso maior, o qual lhe cabe por sua ligação permanente e intrínseca com a instituição. A paridade não é uma opção correta, fundamentalmente por estabelecer um regime de igualdade entre desiguais.

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